Jussara Rocha – Cabo Verde é um país insular. Um arquipélago formado por 10 ilhas de origem vulcânica na costa ocidental africana. Elas são divididas entre ilhas do Barlavento (norte) e do Sotavento (sul). Santo Antão é a segunda maior e mais montanhosa, e a última ao norte do país, no conjunto do Barlavento.

Além de São Vicente, é de Santo Antão, onde passei 60 dias, que mais vamos falar neste guia fundamental de Cabo Verde. 

As ilhas do norte, “vizinhas” de Santo Antão, além de São Vicente, são: Sal, São Nicolau, Boa Vista e Santa Luzia (essa ainda desabitada). As do Sul: Santiago (onde fica a capital, na cidade da Praia), Fogo, Brava e Maio.

Cheguei até lá pelo trabalho no dia 2 de janeiro de 2016, realizando um sonho: viajar para o continente africano, conviver com sua gente, e trabalhar levando um pouco da minha experiência. Ao mesmo tempo, absorver sua cultura na busca de uma conexão que sempre procurei.

Cabo Verde: duas moças com a montanha atrás

Jussara Rocha e Lucila Egydio (Arquivo Pessoal)

Fruto de relações estabelecidas com técnicos do Ministério do Turismo daquele país, em um curso realizado no Brasil, lá estávamos nós na Ilha de Santo Antão. Eu e a consultora Lucila Egydio, para ministrar uma formação para 30 empreendedores em Negócios de Turismo Rural e assessorá-los na implementação de seus projetos.

O desafio seria ensinar e aprender, trocar e contribuir, receber e doar conhecimento, alegria, amizade, entendimento e história com um desejo imenso de ver esse país e sua gente cada dia a melhorar e desenvolver, com oportunidades para todos!

Mas isso é uma outra história. Nesta colaboração com o De Saias pelo Mundo, compartilho minha experiência como visitante e trago as melhores dicas para quem quiser conhecer este paraíso tão perto e tão longe de nós, brasileiros.

Vamos embarcar?

AS MONTANHAS DE SANTO ANTÃO

Montanhas em Santo Antão, ilha de Cabo Verde

Picos variam de 500 a 1.900m de altitude, desafio para trilheiros (Foto: Jussara Rocha)

Uma paisagem que me impactou para sempre. As montanhas de Santo Antão atraem muitos caminhantes, em especial da Europa principalmente na época da seca, pois as temperaturas também são mais agradáveis para percorrer seus mais de 300 quilômetros de caminhos centenários de pedra. Mas é um lugar que se pode absorver e vivenciar em todas as épocas do ano.

Para os caminhantes e apaixonados pelas montanhas, Santo Antão é uma paixão à primeira trilha! São picos escarpados e íngremes que variam de 500 a 1.900m de altitude nos três cantos da ilha.

Cratera de vulcão extinto em Santo Antão, Cabo Verde

Cratera de vulcão extinto (Foto: Jussara Rocha)

Caminhos e trilhas que cortam as montanhas, ziguezagueando até o topo e permitindo vistas incríveis. Vulcões extintos, matas de altitude expressiva e corredeiras, que abrigam as águas raras da chuva e abastecem terraços de plantio em muitos povoados, dão o toque orgânico do lugar.

São mais de 300 quilômetros de trilhas construídas em pedra e muitos povoados onde só se chega a pé, permeando propriedades rurais ainda muito autênticas em sua produção e arquitetura crioula.

As montanhas são o maior atrativo turístico de Santo Antão. Elas atraem viajantes do mundo todo, em especial da Europa para usufruir de suas inúmeras trilhas, espalhadas nos seus três Conselhos.

Cabo Verde: moça tira foto de motanha

Caminhantes de todos os lugares principalmente Europa procuram as montanhas de Santo Antão (Foto: Jussara Rocha)

O turismo de natureza e o turismo rural comunitário atraem caminhantes e ciclistas que são recebidos com alegria pelos santantonenses em suas casas e pelas famílias que se dispõem a dar o melhor que tem para os novos amigos.

Trilhas, caminhos e várias formas de fazer! Do mais radical ao mais slow…

São mais de 40 trilhas de níveis variados de dificuldades para todos os tipos de motivação.

Mas não se assuste, você não precisa ser nenhum atleta para percorrer esses caminhos. Em muitos pontos chega-se de carro para minimizar os esforços.

Se você quiser pode percorrer toda a ilha e seus três Conselhos apenas em trilhas. E são visões totalmente diferentes de um local para outro.

De grandes vales, ziguezagueando e passando por terraços plantados em grandes altitudes a localidades à beira-mar cheias de histórias no entorno e até nas proximidades de crateras de vulcões extintos ou passeios em locais que lembram um solo lunar. É muita diversidade. E isso me encanta!

 

E A ESTRUTURA?

Casa tradicional do povo das montanhas em Santo Antão em Cabo Verde

Casa tradicional do povo das montanhas em Santo Antão (Foto: Jussara Rocha)

É comum que os viajantes durmam nos terraços das casas, a céu aberto, em sacos de dormir. E eles adoram…  Os moradores os recebem de braços abertos e vários têm estrutura para alimentação, servem refeições caseiras, com sobremesas feitas com frutas e compotas. Sempre com um sorrisão no rosto e dispostos a uma boa conversa.

Moça na janela em casa de pedra e montanha ao fundo

Simpatia à espera dos visitantes (Foto: Jussara Rocha)

Em Santo Antão, Cabo Verde, senhora de lenço na cabeça

No quintal da casa, disposição para conversar (Foto: Jussara Rocha)

Prato de salada, peixe, arroz, feijão

Legumes, verduras e peixe à mesa, nada melhor para repor energia (Foto: Jussara Rocha)

 

Mas há uma boa estrutura de hotéis e residenciais turísticos (flats) que se encontram apenas nas áreas urbanas de Ribeira Grande, Paúl e Porto Novo.

Muitos turistas preferem fazer trilhas que lhes permitam voltar ao hotel ao final do dia. Nos demais povoados, todos rurais, e ao longo dos caminhos e trilhas, a vida cotidiana do campo acolhe todos os turistas.

Cabo Verde: casa no meio de vegetação

Wahnon Guest House, um dos meios de hospedagem de Santo Antão (Foto: Jussara rocha)

Nas áreas rurais é comum não ter luz elétrica, telefonia, saneamento e outras necessidades básicas. Mas essa ausência não interfere na qualidade da viagem, ao contrário, permite que os viajantes vivenciem o modo de vida da população e valorizem a sua alegria e disposição em receber da melhor maneira possível a todos que ali chegam.

COMO É O CLIMA EM CABO VERDE

Vista do mar a partir de trilha no alto

Santo Antão-Cabo Verde: Vista da trilha (Foto: Jussara Rocha)

Calor o ano todo para os ensolarados como eu!!! O clima em Cabo Verde é tropical seco, com duas estações bem definidas: a seca, de novembro a julho, e a úmida, de agosto a outubro, com chuvas muito irregulares e sempre desejadas.

O sol está presente o ano todo no país, com temperatura média de 25 graus e por isso suas ilhas planas e de praias de águas azul-turquesa atraem turistas em qualquer época do ano.

COMO SE FALA POR LÁ

Muro pintado mostra homem varrendo rua

Pintura em muro na cidade de Porto Novo mostra a língua crioula (Foto Jussara Rocha)

Tudo dreit, tá bom!

Sodade…

A língua oficial é o português, mas a cabo-verdiana é o crioulo, que a gente vai entendendo à medida em que se vai convivendo. Uma facilidade e tanto… É uma língua que mistura palavras do continente africano com o português e outras como o francês, o italiano e o inglês, mais recentemente.

Eles cortam as palavras dando a elas uma sonoridade diferente. Algumas expressões e gírias são iguais às nossas. Aliás, semelhanças entre Brasil e Cabo Verde são imensas… e o mais incrível é que a gente não tem nem ideia. Isso foi uma das coisas que mais me impressionou.

Eles adoram o Brasil, mas não sabemos nada desses irmãos alegres, que partilham tudo e estão sempre com um sorriso lindo no rosto, apesar das adversidades.

Já estávamos quase falando crioulo depois de tanto tempo na ilha. A convivência vai ficando cada vez mais intensa e incrível quanto mais nos integramos à cultura desse país tão próximo da gente.

COMO CHEGAR E COMO SE MOVIMENTAR

Barcos, mar e montanhas em Sao Vicente, Cabo Verde

Ilha de São Vicente, outra joia preciosa de Cabo Verde. Daí que saem os barcos para Santo Antão (Foto: Jussara Rocha)

Para chegar a Cabo Verde saindo do Brasil há opções de voos diretos de Fortaleza e Recife, de onde partimos, pela TACV (companhia aérea estatal). Apenas quatro horas de voo nos separam, e aposto que a maioria de vocês achava que era loooonge demais!!

Outras companhias aéreas ligam o país à Europa e é possível para nós também voar por meio dessas ligações.

Os destinos de chegada para Santo Antão podem ser a Ilha de Santiago ou a Ilha do Sal. A partir delas você se desloca para outras ilhas de avião ou de barco.

Aliás, os barcos merecem um capítulo à parte, pois eles é que fazem a ligação das pessoas com as ilhas e com o mundo.

Em Santo Antão, por exemplo, só se chega de barco a partir da Ilha de São Vicente. Foi o que fizemos: Recife – Ilha do Sal – Ilha de São Vicente, e de lá barco para Santo Antão. Pode parecer longe, mas não é!!!

São duas companhias marítimas que têm barcos diários para a ilha. Dois horários pela manhã e dois à tarde. É sempre bom comprar os bilhetes com antecedência, pois pode haver problemas para comprar na hora do embarque, já que esse é o transporte utilizado cotidianamente pela população.

Na ilha, o transporte é feito de vans, lá chamadas de HIACES. Elas são mais baratas e percorrem quase todas as localidades onde existem estradas ou caminhos apropriados, porque em muitas partes da ilha só se chega a pé.

É o transporte público local para transitar entre as sedes das cidades (povoação) e o interior dos seus três Conselhos (divisão geográfica e administrativas dentro da Ilha): Porto Novo, Ribeira Grande e Paúl.

O DINHEIRO

A moeda de Cabo Verde é o ESCUDO CABO-VERDIANO. Ele tem o câmbio fixo com o EURO: 1 euro vale aproximadamente 110 escudos. É melhor trazer um pouco em espécie e deixar o restante em cartão travel money de bandeira Visa Plus. Aqui quase não se usa cartão de crédito, não é uma cultura local. E o legal é porque não querem e não podem ficar deixando dívidas pra pagar depois…

Então o cartão de débito é para trocar seus euros por escudos nos caixas eletrônicos, pois nem sempre aceitam euros nas lojas ou comércio local em Santo Antão.

Nas cidades mais visitadas como Praia – a capital (na Ilha de Santiago), Mindelo (na Ilha de São Vicente), ou, claro, na Ilha do Sal, que recebe muitos turistas europeus, aceitam euros e cartões de crédito. Mesmo assim, sugiro ter seus escudos na carteira!!

Quase tudo é muito barato, mas vá com calma. É preciso saber os preços, e em alguns casos pechinchar!

QUANTO CUSTA

Vista de resort em Cabo Verde mostra parte de uma janela e o mar

Vista de resort em Porto Novo, localidade de Santo Antão (Foto: Jussara Rocha)

Em Cabo Verde tudo é muito barato, perto dos custos de viagem aqui no Brasil. A maior despesa está mesmo no transporte aéreo. Há voos regulares de Recife e Natal diretos para a Ilha do Sal. E de lá para São Vicente. Portanto é preciso planejar a viagem sempre para encontrar tarifas mais em conta. Em media, o aéreo custa em torno de R$ 5 mil.

Em Santo Antão, a hospedagem para duas pessoas varia de R$ 100 (flats – lá chamados residenciais) a R$ 250, o melhor resort da Ilha. Essas são acomodações nas áreas urbanas, nas casas rurais os preços variam de R$ 80 a R$ 120.  Alimentação, transporte terrestre e guias variam em torno de 150 o dia.

Recomendo ficar pelo menos 15 dias no país e visitar as ilhas de São Vicente e Santo Antão já que as duas estão ligadas por apenas 45/50 minutos de barco. E a melhor época do ano na minha opinião, vai de novembro a maio. O tempo é agradável e não há grandes concentrações de turistas da Europa e outros países com férias entre julho e setembro.

E PRA CONTINUAR CONECTADO COM O MUNDO…

Comunicação é necessário, mas sugiro que você esqueça um pouco o celular e se deixe levar pelas belezas do lugar, pelo sorriso largo das pessoas e pela MORABEZA, como o cabo-verdiano define o seu jeito de bem receber.

Mas não se preocupe, há sinal de celular na maioria das localidades e internet também! Dá pra comprar um chip de uma das empresas de telefonia móvel e pronto, você está conectado!

Detalhe: o serviço para quem precisa da internet para trabalhar como eu,  ainda é caro e lento, mas não tem jeito, melhor que ficar sem comunicação!

Compramos um dispositivo carregado e economizamos seu uso para o essencial!

SUA SAÚDE EM PRIMEIRO LUGAR!

No comércio local, drogaria é loja de ferramentas (Foto: Jussara Rocha)

No comércio local, drogaria é loja de ferramentas (Foto: Jussara Rocha)

Não se preocupe, aqui tem serviços médicos e farmácias disponíveis!

Mas cuidado: farmácia aqui é farmácia mesmo. Se você procurar DROGARIA, vão te indicar uma loja de material de construção! Isso mesmo!! Coisas do mundo lusófono!

Na Ilha de Santo Antão há um hospital regional em Ribeira Grande e alguns postos de saúde nas localidades rurais. Para casos mais graves é necessário ir para São Vicente ou Praia.

Como vocês sabem estamos na costa ocidental da África, mas em Cabo Verde estamos fora da abrangência do Ebola, a maior preocupação de todo mundo, quando vem pra cá! Mas é importante tomar as vacinas básicas para prevenir outras doenças, mesmo que não seja obrigatório.

Eu tomei a de febre amarela que estava vencida: a validade de 10 anos, tríplice viral e hepatite B. Todas gratuitas no Centro de Saúde do Viajante em BH! Em outros estados há postos de saúde e hospitais públicos com as vacinas disponíveis também!

E o AEDIS gente… ah! Esse está no mundo, então é melhor trazer repelente e usá-lo!!

Outra coisa importante: pode ser que você seja sensível a uma alimentação que não é a sua usualmente. Os problemas intestinais são os que eventualmente acometem os turistas. Embora tudo aqui seja bem parecido com o Brasil nos hábitos alimentares, é sempre bom ir com calma ao prato né?

E por último, para você ficar super bem todo o período em que estiver no país beba apenas água mineral. Por ser um solo vulcânico e com muito pouca água, a água local não é dessalinizada para uso diário nas funções domésticas e não é apropriada para beber.

Então, beba muita água mineral….de preferência gasosa. Seu organismo vai agradecer !

O PODER DA MÚSICA E DA ALEGRIA

Menina fantasiada em Cabo Verde

Carnaval em Mindelo, também conhecido como Brasilim (Foto: Jussara Rocha)

Cabo Verde é um país alegre apesar das imensas dificuldades que ainda aparecem na infraestrutura, nas questões sociais, na distância entre as ilhas e na geografia insular.

Seu solo vulcânico na maioria das ilhas não é apropriado para a produção agropecuária, por isso a maioria dos produtos alimentícios e outros insumos são importados.

Além disso, é um país com uma democracia jovem, livre da colonização portuguesa em 1975, ou seja apenas 42 anos de liberdade.

São 500 mil habitantes residentes e, em quase igual número, tem uma população vivendo em outros países em busca de educação e oportunidades de trabalho, em especial na Europa e nos Estados Unidos. É a chamada Diáspora, e que traz ao seu povo um sentimento constante de saudade de sua terra.

Faça sua play list cabo-verdiana – Os apuros não apagam a chama da esperança e a musicalidade, traço da identidade que corre no sangue dos cabo-verdianos. A Morna, mais famoso dos gêneros imortalizada na potente voz da eterna Cesária Évora ecoa nos quatro cantos do país, juntamente com a Coladeira, o Funaná, o Batuque e a Mazurca.

Em todos os lugares, a música inspira a dança e tudo inspira a celebração. A música contemporânea cabo-verdiana vem ganhando espaço e é linda. Cada ilha tem seus ícones e seu jeito de fazer música. Mas a Ilha de São Vicente tem um quê especial nesse quesito.

Além do mais famoso carnaval de Cabo Verde, sua capital, Mindelo, é um lugar muito especial. A cidade, apelidada de Brasilim pela influência brasileira, em especial na cultura, é a capital cultural de Cabo Verde. Em suas casas de Morna podem-se encontrar com os maiores nomes da música do país.

A cidade exala arte, música, patrimônio histórico, arquitetura e muito, muito charme. Você encontra museus, mercados, cafés, estrutura hoteleira de qualidade e gastronomia apurada.

Recomendo um banho na praia da Laginha. Depois me conta o que sentiu!

Essas duas ilhas – Santo Antão e São Vicente – são apenas uma parte do que é Cabo Verde. Porque esse país tem muito mais a nos mostrar.

 

CABO VERDE  – um presente africano na minha vida!

Essas Notas sobre a alma e o chão de Santo Antão, esse lugar generoso que me cativou tanto, são apenas parte de um grande sentimento que me invadiu a partir do contato por três meses com o país, seu povo e sua cultura. Ainda tem muita coisa pra falar… mas  vamos começando assim, num processo de contaminação positiva pra ir dando água na boca.

Viver Cabo Verde foi uma oportunidade singular, que espero que se repita em breve.

Me vi muito ali, me achei ao mesmo tempo brasileira e cabo-verdiana e espero que vocês se sintam inspirados a conhecer e se apaixonar por esse país como eu!

A autora

Jussara Rocha é mineira, nascida no lugar certo, Belo Horizonte. Numa cidade que no nome a fez abrir horizontes e querer ver além. É curiosa desde sempre por desvendar lugares e uma viajante incorrigível! Acha que por isso é historiadora de formação e consultora de turismo por profissão há muito tempo. Tem duas filhas lindas também nascidas nas montanhas da Mantiqueira e que são o seu estímulo constante para viajar, porque pode mostrar a sua vida recheada de outras tantas! E segue assim, como o título do filme, dizendo para elas: “Viajo porque preciso, volto porque te amo!”