Patricia Lamounier (texto & fotos)- Imaginem um prédio que possui uma das vistas mais belas de Buenos Aires e cuja história e design estão intimamente ligados á “A Divina Comédia” do escritor italiano Dante Alighieri. Assim é o Palácio Barolo! Localizado na Avenida de Mayo 1.370, bem pertinho da Praça Del Congresso, este edifício é uma verdadeira obra de arte do início do século 20 (1923!). E uma das edificações mais marcantes da região!
Sua altura – 100 metros, é uma referência aos poemas da “A Divina Comédia”. O número de andares – 22 é referência ao número de versos nos poemas. “A Divina Comédia” é dividida em 3 partes: Inferno, Purgatório e Paraíso! O prédio também! Do porão ao 2.º andar, é o inferno. Do 3.º andar ao 14.º andar é o purgatório. O paraíso compreende do 15.º andar ao 22.º.
No topo do Palácio Barolo ainda tem um farol com vista de 360º graus! Este representa os “Nove Coros Angelicais”. Independentemente do que representa, a vista é mais bonita que conheci em Buenos Aires!
Por 12 anos, o Palácio Barolo foi o prédio mais alto da cidade. Em 1997, foi considerado Monumento Histórico Nacional.
A CONSTRUÇÃO DO PALÁCIO BAROLO
É complicado entender seu estilo! Pense numa “mistureba” neogótica, neorromântica, moderno em suas formas e meio que europeu. Assim é este incrível edifício! Não sou arquiteta e não entendo de construções, por isto digo sempre: estilo eclético! Além de tudo isto, é inspirado na “A Divina Comédia”!!!
Uma coisa é certa: o Palácio Barolo abriu caminho para uma nova arquitetura!
Ele foi construído numa área de 1.365 m2 por 30,88 m de frente. Devido a ousadia do projeto (4 vezes maior do que a altura permitida para os prédios da região), o Barolo precisou de autorização especial. Quem concedeu a autorização foi Luis Cantilo, então prefeito de Buenos Aires.
O Palácio Barolo foi o 1.º prédio na Argentina a ser construído com concreto armado. Suas colunas e paredes são cobertas por granito e seus 1.410 degraus em mármore de Carrara. Se olharmos os números teremos: 4.300 m2 de concreto, 8.300 m2 de alvenaria, 1.400 m2 de revestimento, 650 toneladas de ferro, 3 milhões de tijolos e 70 mil sacos de cimento.
Vista parcial da frente do Palácio Barolo: Avenida de Mayo
“A Divina Comédia” é um poema épico, teológico e de cunho filosófico. Relata a história da conversão de um homem comum e pecador ás necessidades de trilhar os caminhos do bem, da ética e de Deus. A escrita é atemporal. A maestria da obra reside exatamente na riqueza dos detalhes de suas alegorias.
Enfim, não existe um registro exato de quando ela foi escrita. Autoridades neste assunto dizem que o “Inferno” foi escrito entre 1304 a 1308, o “Purgatório” entre 1308 a 1314 e o “Paraíso” de 1313 a 1321.
Dante Alighieri morreu em 1321. É considerado o primeiro e maior poeta italiano. É também definido como “Il sommo poeta”.
VISITA GUIADA AO PALÁCIO BAROLO
Não quero jamais ser “spoiler” mas … O prédio é único, maravilhoso e interessante! Como não divulgar?
INFERNO
Palácio Barolo: esculturas representando o inferno
Começamos nossa visita pelo hall de entrada do edifício, que representa o inferno.
Na “A Divina Comédia”, o inferno é formado por “Nove Círculos”, representados no Palácio Barolo por 9 abóbodas distribuídas no hall de entrada. Estas abóbodas significam os círculos de sofrimento. De acordo com o poema, o inferno torna-se mais profundo e sofrido a cada círculo.
Na entrada, além das 9 abóbodas, temos a oportunidade de observar suas colunas. No final de cada coluna de sustentação, existem desenhos de animais que podem ser encontrados no inferno: dragões, serpentes e condores (pareciam mais gárgulas!).
As abóbodas são divididas da seguinte forma: 3 em direção à Avenida de Mayo, 3 em direção à Av. Hipólito Yrigoyen e a abóboda central, com sua cúpula representando acessão ao céu e escadas nas laterais. Estas escadas sugerem a iniciação do caminhar e o ponto de partida para se chegar ao paraíso.
No piso, os desenhos de flores representam o fogo do inferno. Antigamente estas flores acendiam.
As abóbodas do hall de entrada do Palácio Barolo
DO INFERNO AO PURGATÓRIO
Palácio Barolo: estátuas representando o purgatório
Saímos do Inferno (porões que não visitamos, hall de entrada, 1.º e 2.º andar) e subimos via elevador diretamente ao 3.º andar. Só lembrando que, no Palácio Barolo, o purgatório vai do 3.º ao 14.º andar. O purgatório representa os 7 pecados capitais: gula, avareza, ira, luxúria, inveja, preguiça e soberba (orgulho).
Nas colunas de sustentação desses andares também podemos observar animais, mas a interpretação é diferente. Isto se justifica porque, de acordo com a guia, ali não existem regras como o inferno!
A estrutura que vai do 3.º ao 14.º andar é bem mais estreita e mais baixa do que os primeiros andares. Além disto, os andares não possuem tantos ornamentos quantos os iniciais. Ascender ao paraíso tem lá suas abdicações e sofrências!
Podemos observar alguns detalhes e símbolos da maçonaria no chão destes andares e no hall de entrada!
Um detalhe: os toiletes nos andares são coletivos! Para cada 4 escritórios está disponível um toilet. Não tivemos a oportunidade de conhecê-los. Somente suas janelas circulares!
Vista do 3.º andar: hall mostrando os desenhos simbolizando o fogo e o 2.º andar com seus corredores e janelas dos toilets
DO PURGATÓRIO AO PARAÍSO
Reflexo da cidade de Buenos Aires no farol do Palácio Barolo
Não é fácil chegar ao paraíso! É preciso resistência, condicionamento físico e definitivamente não pode ser claustrofóbico! Sim, por que não tem mais elevador para visitantes. Do 14.º ao 20.º andar, a subida é feita por uma escada em caracol. E quanto mais alto o andar, menor o espaço de subida!
É neste ponto que você deseja voltar. Ali você pensa por que não começou a dieta ou a ginástica. Ali seu coração bate mais acelerado e você realmente sonha em ter conhecido o local anos atrás quando era mais jovem e mais esperto! É complicado para pessoas mais velhas e com sobrepeso. Existe uma grande desistência neste ponto.
Mas nem tudo é sacrifício para aqueles que continuam a subida. Em algum momento, antes do término da empreitada, as varandas de um dos andares são abertas e podemos conhecê-las. A vista das sacadas é deslumbrante. Buenos Aires 360º! Muitas fotos! Depois, mais degraus!
O esforço é recompensado. Terminamos a visita num farol, também com vista 360º. Ali a guia finaliza a visita, falando um pouco sobre outro Palácio, meio que irmão e parente do Barolo, localizado no país vizinho! Estamos falando aqui do Palácio Salvo, localizado no Uruguai na cidade de Montevidéu.
Detalhe: o farol, cercado por uma cúpula de vidro, está a 100 metros de altura. Na visita noturna, sua luz de 5000 watts é acesa. O calor fica insuportável! Mas, e assim mesmo, a sensação deve ser maravilhosa! Conhecer o farol iluminado e ter o prazer de ver a vista de BA á noite… não tem preço!
Uma selfie no farol do Palácio Barolo
Vista de uma das sacadas do Barolo: Congresso Nacional
LUIS BAROLO E O PALÁCIO
O italiano Luis Barolo chegou a Argentina em 1890. Foi um dos primeiros imigrantes a trazer consigo máquinas de tecer algodão e a instalar as primeiras fiações de lã na Argentina. Luis dedicou ao cultivo do algodão, especialmente na região do Chaco, tornando-se um produtor agrícola muito poderoso e progressista.
Luis sempre imaginou que o continente europeu sofreria inúmeras guerras e que elas iriam destruir toda a Europa. Por isto, imigrou para a Argentina. Admirador de Dante Alighieri, Luis Barolo resolveu construir um prédio comercial, projetado e inspirado na “A Divina Comédia”. Ele idolatrava tanto o escritor e poeta florentino que chegou até a pensar em transferir suas cinzas para a Argentina! Por causa disto, construiu uma cripta na forma de condor, no hall do Barolo, significando que Dante seria levado ao Paraíso.
Para realizar o projeto que preservasse e homenageasse a memória do poeta Dante Alighieri, Luis chamou o arquiteto Mario Palanti (1885-1979). Luis Barolo e Palanti era maçons. Por isto, números, objetos e símbolos da maçonaria podem ser encontrados no prédio.
NÃO DEIXEM DE VISITAR!
O Palácio Barolo pode ser visitado quase todos os dias (exceto terças e domingos). O que não falta são horários e tipos de visitas… Tem visita com vinho, visita com show de Tango, visita com show de violoncelos, 4 cordas e ainda a famosa visita ás sextas e sábados ás 22h quando o farol é acesso.
As visitas são administradas pelo pessoal do “Palazzo Barolo Tours”. Após a visita ao prédio, os guias nos levam aos escritórios para conhecê-los. Eles são ambientados como antigamente (década de 20 ou 30). É divertido e é o último momento para tiramos nossas dúvidas em relação ao Barolo. Eles também são apaixonados por Dante Alighieri! Saiba mais sobre os tipos de visitas, horários e valores no link abaixo!
PALÁCIO SALVO NO URUGUAI
Palácio Salvo, Montevidéu
Muitos pensam que foi cópia exata. Outros pensam que os membros eram da mesma família. Inveja foi mencionada… Mas não foi bem assim! Como forma de agradecimento pela recepção e oportunidades que tiveram em Montevidéu, José, Angel e Lorenzo Salvo decidiram construir um palácio na cidade. O Palácio Salvo!
Cartão postal e ícone de arquitetura da cidade, o Palácio Salvo foi desenhado por Mário Palanti (o mesmo do Barolo!). Com seus 105 metros e 27 andares, está localizado na Praça da Independência com Avenida 18 de Julho. Foi inaugurado em 1928.
Pelo que pude notar, o Palácio Salvo tem salas comerciais, famílias habitando o espaço em apartamentos, um clube de bilhar e um hotel onde se pode alugar uma suíte! Por causa de Palanti, tudo no Palácio Salvo está baseado nos princípios da maçonaria e da alquimia.
É possível realizar uma visita guiada. Como toda visita, ela é detalhada e explica a arquitetura, a estrutura, a decoração, a história do Palácio Salvo. Infelizmente, o horário de visita é único. Diferentemente do Palácio Barolo, não conseguimos visitar o Salvo.
Perguntei a um dos guias da cidade o que aconteceu com o farol do Palácio Salvo. Este me explicou que o farol nunca teve autorização para funcionar pois confundia os navios do porto e terminou por desaparecer.
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