Patricia Lamounier – Conto aqui minha primeira vez fora do Brasil: como fui para a Inglaterra aos  21 anos.

Hoje tudo é mais fácil. Conversa com um profissional de viagem, entra em contato com um amigo, procura sites de viagens ou uma agência e a viagem dos seus sonhos está pronta! Só preparar as malas! Se tiver algum problema durante a viagem entra em contato com a agência, com o amigo, com o serviço especializado e está tudo resolvido!

Não era assim assim na década de 80 quando resolvi morar na Inglaterra. Sempre fui a ovelha negra da família, a mais crítica, a mais ousada e quem sabe a mais louca! Eu só queria ir, conhecer uma nova cultura, aprender outro idioma… Queria viajar!

Uma amiga que estava  morando em Londres me disse: quer vir, vem. Consigo o papel de matrícula numa escola de inglês do governo. Detalhe: Em um mês eu deveria estar em Londres!  Na época, comprar dólares era diretamente no Banco do Brasil e com carimbo do valor no passaporte. Agora, quase qualquer moeda estrangeira pode ser comprada ou vendida em casas de câmbio, nos bancos e se duvidar até mesmo nos doleiros.

Comprei U$ 1.000 com a ajuda de um aparelho de jantar (louça inglesa) herdado de minha avó! Não poderia usar o dinheiro na íntegra. Deveria enviar U$ 700 de volta ao Brasil para quitar dívidas da viagem. Meus pais não eram ricos e eu teria de me virar!

Graças a Deus, a passagem podia ser financiada pelas companhias aéreas ou agências de viagens em 6 prestações. Hoje a compra acontece “on line”, companhias aéreas ou em agências de viagem em até 10 vezes sem juros!

Cancelei o curso de comunicação social na Puc, encerrei meus estágios, dei um tempo com meu namorado (futuro noivo) e lá fui eu,  aos 21, rumo a Inglaterra. Primeira vez fora do país e uma vontade danada de ficar para sempre. Tinha dinheiro suficiente para 1 mês. Se não arrumasse algo para fazer teria que regressar.  Este era o acordo firmado com meu pai.

Visto? Para a Inglaterra não era necessário. É sempre bom checar se o país de sua viagem necessita de visto. Às vezes, além de mostrar o visto e a passagem existe uma conversa com o pessoal da imigração.

Alguns oficiais de imigração são muito educados e solicitam que você conte um pouco do que fará no país. Outros são mais complicados: além de pedir o visto, o oficial  podem exigir uma série de documentos e usar e abusar das perguntas!  Depende do humor do dia ou da sua postura! O fato é que para entrar em qualquer país é necessário passar pelo processo de imigração.

O oficial me perguntou quanto tempo eu ficaria e onde. Como estava com a passagem de ida e volta, disse que faria um tour pela Inglaterra. Não era exatamente isto, mas decidi não comentar sobre a escola. Estava sem o papel de matrícula e sabia que ele iria questionar minha resposta. Ou seja, dali eu poderia voltar para o Brasil. Eu mal falava qualquer coisa  em inglês!

A hospedagem é o mais caro em qualquer viagem. Tudo vale hoje em dia. Hospedagem em casa de família, amigos ou conhecidos de conhecidos, hotéis, apartamentos de aluguel, B&B, albergues, pousadas e Inns. Campings também valem, mas para mim é “out of question”! Defina onde quer ficar e o que quer fazer  – claro que dentro das suas possibilidades e comece a procurar.

Os pacotes turísticos oferecidos pelos hotéis são mais práticos, mas para quem viaja sozinha ficam mais caros. Existe uma sobretaxa para a pessoa que solicita um quarto single. Prática que desabono! Se posso, boicoto os hotéis silenciosamente. Busco em sites por B&B, pequenos lugares, pousadas, AirBnB ou casa de família. Curto muito este tipo de hospedagem: sempre existe uma dica diferente, um papo no café da manhã … qualquer coisa que você precisar a família ou a dona da casa te acode!

Depois de vários desencontros no aeroporto e mais de 2 horas anunciando no autofalante, consegui encontrar a pessoa que iria me buscar. Na verdade, eu estava no terminal 2 e ele no terminal 3! Enfim, seguimos para a casa da minha amiga e lá fiquei por 2 dias até que fui para casa do primo dela e 5 dias depois, para casa de uma conhecida dele. Ou seja, fui pulando de casa em casa até conseguir meu  primeiro “emprego”.

Detalhe: na casa desta conhecida eu faxinava e costurava as meias e os botões faltantes das roupas e uniformes das crianças. Uma vez, ela deixou o anel de brilhantes no banheiro para testar a minha idoneidade. Eu não só comentei que o anel estava em cima da pia como também tinha dado um polimento nele. Ela agradeceu!

Estava há três semanas na fria e cinzenta Londres, quando comecei a trabalhar como “au pair” para um senhor de 52 anos, dono de uma companhia de seguros que viajava o mundo inteiro. Não havia família – esposa ou filhos! Era ele, eu e 2 cachorros da raça Bull Terrier. Feinhos e burrinhos, mas cada um custava minha passagem de volta para o Brasil!!!

Este senhor, Robert, morava no melhor ponto de Earl’s Court, numa casa enorme, ricamente decorada, “detached” e localizada no fundo de um prédio. Eu e os cachorros ficávamos sozinhos por 15, 20 às vezes 30 dias.

Nos primeiros tempos eu morria de medo de ficar sozinha e qualquer barulho me assustava. Dormia com uma faca de cozinha debaixo da cama. Como tudo na vida, a gente termina se acostumando!

No verão, outono e primavera era uma maravilha.  Andava com os cachorros Londres inteira. Só parava para ir à escola. No inverno, caminhava com eles o necessário. O restante do tempo eu lia, assistia TV e comia!!! Somente quando Robert estava para chegar de viagem é que eu limpava a casa, lavava e passava a roupa. Eu não sabia (e continuo não sabendo) cozinhar! Tinha que me virar neste quesito!

Consegui alguns trabalhos extras como faxineira, baby sitter e garçonete. O trabalho de faxineira foi o mais constante e o que pagava melhor. Trabalhar em casa de família e fazer “bicos” foi a fórmula que arrumei para ficar segura, ter um teto e ganhar algum “dimdim”.

Fiquei nesta casa por mais de ano até que apaixonei perdidamente por um canadense e fui morar com ele em South Kensigton.

Foi amor de alma que ainda hoje me traz certa nostalgia! Só que houve um momento muito confuso e triste em nossas vidas. E, como éramos imaturos e inexperientes, não tivemos sabedoria e estrutura para lidar com a situação. Foi aí que tomei a decisão de regressar ao Brasil. Eu chorava o tempo todo e estava com muita raiva de mim mesma! Mas esta foi a pior e a mais burra decisão que já tomei em toda minha vida!

Ter ido morar na Inglaterra aos 21 anos foi um marco. Não houve “turismo”. Vivi intensamente. Trabalhei de au pair, de faxineira, de baby sitter, de garçonete, frequentei a escola de inglês, passei nos exames de Cambridge, fiz bons amigos e aprendi muita coisa. Paguei minhas contas. Paguei meus estudos. Conheci outros países. Visitava com os amigos suas famílias. Fui à Dinamarca, Portugal, França e Canadá. Cruzei Holanda e Alemanha. Muita gente entrou e saiu da minha vida. Ganhei experiência. Experiência de viver!

Morei no país da Rainha por quase 2 anos e meio.  Foi a primeira experiência em viagem internacional. Em  viver novas culturas, com pessoas diferentes, línguas diferentes e principalmente, distintos conhecimentos e horizontes. Não foi fácil. Houve momentos em que desejei desistir. Passei por momentos de solidão. Mas nunca, nunca parei de viajar e sonhar…